Ler (ou reler) as "crônicas culturais" de Affonso , como ele mesmo as denomina, sem ter que esperar por elas em jornais ou revistas, é um renovado prazer propiciado por este livro. A reconhecida lucidez do poeta e professor de literatura serve de leme para quem se interessa por "entender a ´contemporaneidade´ e rever a tradição". Nas seis primeiras crônicas, que dão título ao livro, o autor seleciona lendas, mitos e textos literários sobre o "intrigante tópico da cegueira e do (não) saber", como o Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, Em terra de cego, conto de H. G. Wells, A carta roubada, de Poe, A nova roupa do imperador, de Andersen, entre outros, para apresentar os vários aspectos do ver e do não-ver - a cegueira como uma praga temporária, a visão arrogante que não enxerga o óbvio, o pacto social em torno do não-ver, a sabedoria que ilumina a vida interior, o desafio de ver o mundo com novos olhos. O estilo agradável, lúcido e didático de Affonso Romano de Sant´Anna conduzirá o leitor a um prazeroso mergulho em suas crônicas, uma após outra, descobrindo os percalços de uma carreira de escritor às voltas com a folha em branco ou com as recusas dos editores à publicação. Como surge uma obra literária? Como fazer emergir a poesia? Como publicar e ter sucesso? Estas são algumas das muitas questões que o autor considera "perguntas simples, respostas complexas". Para auxiliá-lo nas respostas, apresenta aos leitores o trabalho do escritor italiano, Mario Baudino, com o livro
A grande recusa, que conta a história de rejeições, por parte das editoras, a grandes escritores, como Scott Fitzgerald, James Joyce, D. H. Lawrence, Hemingway e muitos outros. "E, entre tantos casos da literatura moderna, dois se tornaram célebres: as recusas de Em busca do tempo perdido, de Proust, e O Gattopardo, de Tomasi de Lampedusa." Esta descoberta certamente levará o leitor/escritor a "se espantar e até se sentir estimulado a continuar recebendo negativas sem tanto sofrimento". Há, ainda, dois aspectos do livro de Affonso Romano de Sant´Anna que merecem ser realçados. Primeiramente, por não se considerar um crítico literário, sua evidente intenção é despertar a sensibilidade e a lucidez dos leitores em relação aos autores que apresenta em suas crônicas, o que ele faz com indiscutível delicadeza, prenunciando o prazer dessas leituras. O outro aspecto é a sua indisfarçável paixão por viagens, que contagia o leitor com as vivas descrições dos locais que simplesmente visita ou para onde vai declamar seus poemas, como na crônica No Chile de Neruda. E, em algum momento, ensina que "a arte de viajar tem que envolver todos os sentidos. Por isso é que a sensualidade e o amor podem transformar a arte de viajar numa arte maior".
Link com alguns textos do livro:
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