
“De qualquer modo, não deixamos de ler histórias de ficção porque nelas que procuramos uma fórmula para dar sentido a nossa existência. Afinal, ao longo de nossa vida buscamos uma história de nossas origens que nos diga por que nascemos por que vivemos. Às vezes procuramos uma história cósmica, a história do universo, ou nossa história pessoal. Às vezes, nossa história pessoal coincide com a história do universo.
Aconteceu comigo, conforme atesta a seguinte narrativa natural:
Há alguns meses fui convidado a visitar o Museu da Ciência de La Corunã, na Galícia. Ao final da visita, o curador anunciou que tinha uma surpresa para mim e me conduziu ao planetário. Um planetário sempre é um lugar sugestivo de estar num deserto sob um céu estrelado. Mas naquela noite algo especial me aguardava.
De repente, a sala ficou inteiramente às escuras, e ouvi um lindo acalanto de Manuel de Falla. Lentamente (embora um pouco mais depressa do que na realidade, já que a apresentação durou ao todo quinze minutos) o céu sobre a minha cabeça se pôs a rodar. Era o céu que aparecera sobre a minha cidade natal – Alessandria, na Itália – na noite de 5 para 6 de janeiro de 1932, quando nasci. Quase hiper-realisticamente vivenciei a primeira noite de minha vida.
Vivenciei-a pela primeira vez, pois não tinha visto essa primeira noite. Provavelmente, nem minha mãe a viu, exausta como estava depois de me dar à luz; mas talvez meu pai a tenha visto a sair para o terraço um pouco agitado com o fato maravilhoso (ao menos para ele) que testemunhara e ajudara a produzir.
O planetário usava o artifício mecânico que se pode encontrar em muitos lugares. Outras pessoas talvez tenham passado por uma experiência semelhante. Mas vocês hão de me perdoar que durante aqueles quinze minutos tive a impressão de ser o único homem desde do início dos tempos que havia tido o privilégio de encontrar com seu próprio começo. Eu estava tão feliz que tive a sensação – quase o desejo – de que podia, deveria morrer naquele exato momento e que qualquer outro momento seria inadequado. Teria morrido alegremente, pois vivera a mais bela história que li em toda a minha vida. Talvez eu tivera encontrado a história que todos nós procuramos nas páginas dos livros e nas telas dos cinemas: uma história na qual a estrela e eu éramos protagonistas. Era ficção porque a história fora reinventada pelo curador, era História porque recontava o que aconteceu no cosmos num momento do passado; era real porque eu era real e não uma personagem de romance. Por um instante, fui leitor-modelo do Livro dos Livros.
Aconteceu comigo, conforme atesta a seguinte narrativa natural:
Há alguns meses fui convidado a visitar o Museu da Ciência de La Corunã, na Galícia. Ao final da visita, o curador anunciou que tinha uma surpresa para mim e me conduziu ao planetário. Um planetário sempre é um lugar sugestivo de estar num deserto sob um céu estrelado. Mas naquela noite algo especial me aguardava.
De repente, a sala ficou inteiramente às escuras, e ouvi um lindo acalanto de Manuel de Falla. Lentamente (embora um pouco mais depressa do que na realidade, já que a apresentação durou ao todo quinze minutos) o céu sobre a minha cabeça se pôs a rodar. Era o céu que aparecera sobre a minha cidade natal – Alessandria, na Itália – na noite de 5 para 6 de janeiro de 1932, quando nasci. Quase hiper-realisticamente vivenciei a primeira noite de minha vida.
Vivenciei-a pela primeira vez, pois não tinha visto essa primeira noite. Provavelmente, nem minha mãe a viu, exausta como estava depois de me dar à luz; mas talvez meu pai a tenha visto a sair para o terraço um pouco agitado com o fato maravilhoso (ao menos para ele) que testemunhara e ajudara a produzir.
O planetário usava o artifício mecânico que se pode encontrar em muitos lugares. Outras pessoas talvez tenham passado por uma experiência semelhante. Mas vocês hão de me perdoar que durante aqueles quinze minutos tive a impressão de ser o único homem desde do início dos tempos que havia tido o privilégio de encontrar com seu próprio começo. Eu estava tão feliz que tive a sensação – quase o desejo – de que podia, deveria morrer naquele exato momento e que qualquer outro momento seria inadequado. Teria morrido alegremente, pois vivera a mais bela história que li em toda a minha vida. Talvez eu tivera encontrado a história que todos nós procuramos nas páginas dos livros e nas telas dos cinemas: uma história na qual a estrela e eu éramos protagonistas. Era ficção porque a história fora reinventada pelo curador, era História porque recontava o que aconteceu no cosmos num momento do passado; era real porque eu era real e não uma personagem de romance. Por um instante, fui leitor-modelo do Livro dos Livros.
Aquele foi um bosque da ficção que eu gostaria de nunca ter deixado.
Mas como a vida é cruel, para vocês e para mim, aqui estou.”
Fonte: ECO, Humberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
Mas como a vida é cruel, para vocês e para mim, aqui estou.”
Fonte: ECO, Humberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.